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terça-feira, 13 de julho de 2010

“São Tomas More, mártir, patrono dos estadistas e governantes” (*)

(*) Transcrição do pronunciamento do jornalista e professor Domingos Zamagna (São Paulo, 02/7/2010).
Enviado por: Pe. Devair Carlos Poletto

Sr. Bispo Dom Angélico Sândalo Bernardino
Prezados sacerdotes e religio(a)s
Sr(a)s representantes dos Poderes da República
Amigas e amigos

Estamos participando de um singelo, porém, importante fato histórico cívico-religioso. Pela primeira vez na Igreja do Brasil uma paróquia acolhe, abençoa e oferece à devoção pública dos fiéis a imagem de São Tomás More. A partir de hoje a Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, liderada pelo pároco Pe. Paulo Bezerra, no âmbito da Pastoral Social Diocesana, coordenada pelo Pe. Ticão (Pe. Antônio Marchioni), torna-se também um centro de reflexão e sobretudo de oração pelos estadistas e governantes. A escolha da data é oportuníssima, pois o Brasil acaba de aprovar, com imenso esforço da Igreja Católica, com destaque para a CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Lei Complementar nº 135, de 4/6/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), e a partir deste mês começa a campanha eleitoral para a presidência da República, governos estaduais, Senado e Câmara dos Deputados.

Não é minha intenção tecer aqui um panegírico de São Tomas More, cuja vida pode facilmente ser conhecida nos bons livros de história. (1)
Quem tiver mais de 50 anos talvez se recorde de Tomás More em seus livros de segundo grau. Quem for jovem, porém, talvez nem tenha ouvido falar deste personagem, pois no nosso país – como já foi estudado por pesquisadores universitários – constata-se uma política de reduzir ao máximo, quem sabe até eliminar dos livros das crianças e jovens, qualquer alusão à Igreja Católica, como se o seu passado merecesse o esquecimento dos cidadãos brasileiros.

A pergunta que caberia, neste instante, é: em época de apregoada tolerância, a quem interessa esta nova e odiosa forma de obscurantismo? A quem interessa o ofuscamento do papel relevante da Igreja Católica em nosso país, mas não somente dela obviamente, de todas as forças que efetivamente se colocam ao lado do povo, sem querer absolutizar-se, aceitando a crítica e a renovação? Sugiro que cada um dos presentes faça um esforço para responder a esta questão.

Esperemos que a partir de hoje esta pioneira igreja de Nossa Senhora do Carmo, da Diocese de São Miguel – que não tem os cacoetes das velhas instituições, porque ainda é bastante jovem – seja um foco de difusão do pensamento deste luminoso humanista, beatificado por Leão XIII em 1886, canonizado por Pio XI em 1935 e que João Paulo II, em 2002, proclamou “Patrono dos estadistas e governantes”, logo dos políticos. É nosso dever agradecer a quantos tiveram esta bela iniciativa, no palco ou nos bastidores, para nos proporcionar esta reunião de congraçamento e reflexão cívico- religiosa. Não podemos deixar de citar o autor da ideia, jornalista José Maria dos Santos, e o escultor desta bela imagem em madeira, o artista Jaime Aparecido de Oliveira.

Por que aproximar o civismo e a religião? Não haveria aí uma contradição?

É contemporâneo de Tomas More, que afinal é um renascentista, o adágio latino cujus regio huius et religio (= de quem é a região, dele é a religião, isto é, a confissão religiosa do príncipe se aplica a todos os súditos), aceito em 1955 pela Paz de Augsburgo. Se este princípio arcaico vingasse no Brasil de hoje – ou alhures – significaria que deveríamos todos pensar de acordo com as ideologias de nossos governantes; cada cidadão deveria introjetar o que os nossos chefes – ou chefetes – pensam ou fingem pensar, seus conceitos e preconceitos.

Foi exatamente o que aconteceu a Tomás More, no longínquo século XVI. Instado a capitular diante da razão de estado, na Inglaterra governada por Henrique VIII, o chanceler do reino ousou contestar a legitimidade do monarca para impor sua caprichosa vontade, quando valores maiores que os de estado impediam a sua consciência de qualquer assentimento. Renunciou às funções de governante, proclamando que, para a sua dignidade de homem e cristão, católico, a união com a sua Igreja era mais vinculante, mais imperiosa. Em troca da sua fidelidade à Igreja Católica, recebeu a pena de morte.

Morreu para poder continuar a viver, lembrando-nos de que viver não é apenas existir, como o filósofo judeu Walter Benjamin ensinou aos nazistas. O cristianismo sempre soube que para viver depois de morto, deve viver como quem sabe que deve morrer: ut moriens viveret vixit ut moriturus, lê-se num túmulo da basílica de Santa Sabina, em Roma (séc. V). E ficou provado, com o sacrifício da promissora vida de nosso filósofo-político inglês, que a política tem limites, que ela não é um absoluto, que ela deve ser regida por valores inegociáveis, por princípios imorredouros, por cláusulas eticamente pétreas.

Nesta assembleia em que refletimos sobre a santidade cristã no mundo secular (após a linda homilia de Dom Angélico, que ao pregar nos faz pensar em Paulo de Tarso, em João Crisóstomo, em Leão Magno...), mesmo que brevemente, é para o hoje que desejamos dirigir nossa atenção. Na Igreja não costumamos apenas fazer arqueologia do passado. Nossa intenção é sempre buscar o dinamismo de uma tradição viva, ou, como dizia Péguy, um novo que seja absoutamente igual ao antigo: o antigo da nova aliança. (“Anticus sed non antiquatus”, gostava de recordar meu mestre Alonso Schöckel).

Eu seria omisso se não repercutisse nesse templo, e nesta hora, o que passa no pensamento de milhões e milhões de brasileiros. A nossa pragmática política provocou um esvaziamento da missão dos nossos mandatários. Por que? Porque os nossos políticos privatizaram o Estado. A maioria de nossos políticos costuma abandonar um mandato outorgado pela vontade popular para trabalhar pela nação, e se entrega com afinco aos interesses próprios, aos interesses de grupos, especializados na ganância de sorver o fruto do trabalhador brasileiro. Muitos passam a vida desprendendo uma enorme energia, um imenso esforço para serem apenas medíocres, quando não traficantes de influência, ladrões, estelionatários, venais, corruptos.

Um sistema tributário dos mais vorazes do planeta, inclemente com os assalariados, mas extremamente flexível e acomodatício para os poderosos, obriga o brasileiro a trabalhar mais do pode, para amealhar tributos devorados por governos perdulários, ineficientes, incapazes de resolver até os problemas de fácil solução. Sai governo, entra governo, cresce cada vez mais esse sorvedouro escravizante, essa derrama imobilizante para quem quer produzir. Formalmente, o Brasil aboliu a monarquia, mas não aboliu a corte. Temos uma corte de políticos corruptos disposta a rivalizar, em pé de igualdade, com os mais empedernidos corruptos de todo o mundo. Nessa “copa”, indiscutivelmente somos vencedores.

Ninguém tem gosto, ninguém tem prazer em expor as vísceras da nação; desvelar o manto que cobre as feridas nunca cicatrizadas de um país rico, porém, injusto. Mas é preciso recordar aos que desejam ignorar ou desfigurar a Lei da Ficha Limpa: entre nós existe, à solta, impunes – por um Judiciário inepto, quando não corrupto –, uma camarilha de interesseiros, de delinquentes postulando cargos públicos, alguns que se perpetuam no poder pelo sobrenome, pelo coronelismo, pela subserviência, pela fortuna, por várias formas de violência. Trata-se de uma elite tão ampla, tão vasta, que precisa ser denunciada... até... e sobretudo... para que saibamos identificar, apreciar, valorizar, apoiar, somar esforços com as poucas dezenas de políticos sérios, competentes, com espírito de serviço ao povo. Estes trabalham sob condições tão precárias, num combate tão desigual que, além da nossa, precisam da ajuda dos santos.

Simbolicamente, a partir de hoje, os bons políticos podem contar com um novo reforço, pois a imagem abençoada de São Tomas More, aqui está a nos sugerir, a nos propor, a nos incentivar um imperioso compromisso junto àqueles nomes que constam, sem subterfúgios, de uma “Ficha Limpa”.

São os que não ludibriam os eleitores, que se cercam de colaboradores competentes, que renunciam às práticas do mandonismo, vigilantes com o emprego do dinheiro público, produzem leis eficientes; os que têm transparência, que não são servis a partidos carcomidos, cujo prazo de validade já está vencido. Assim como Tomas More escreveu uma U-topia (um não-lugar, um lugar inexistente, sonho, devaneio, fantasia; um país imaginário onde tudo é regulado da melhor maneira), muitos políticos brasileiros estão escrevendo uma U-cronia, ou uma Ana-cronia isto é, um não-tempo, uma alienação, uma realidade que não corresponde às necessidades do cidadão brasileiro, cuja dignidade é cada vez mais aviltada pela falta de atendimento médico e escolar, falta de segurança, falta de trabalho e lazer, falta de perspectivas para os jovens e os idosos, ainda que nos tentem fazer crer em estatísticas produzidas pelos burocratas servidores dos príncipes de plantão.

Nunca devemos perder a esperança. O cardeal John Henry Newmann, que vai ser beatificado no próximo mês de setembro, dizia que “viver é mudar, e ser santo é mudar constantemente”. Eu lhes proponho que renovemos com muito amor a crença nos valores de santidade que a Igreja transmite – não a igreja instrumentalizada, partidarizada, não a igreja das aparências, não a igreja-farsa... mas a Igreja Povo de Deus, a Igreja como desejou o Evangelho de Jesus Cristo, cuja substância (ensinou-nos o Concílio Vaticano II), subsiste na Igreja Católica, mas também em todas as confissões onde estão as “sementes do Verbo” (semina Verbi). (2)
O saudoso Paulo VI resumiu muito bem o pensamento da Igreja, definindo a política (cuja complexidade não nos passa despercebida) como “a mais alta forma de caridade”. Por isso é que a Igreja aconselha aos seus fiéis leigos (os que tenham vocação política e queiram empreender essa “aventura de santidade”) que assumam tal compromisso, e se santifiquem através desse exercício de servir ao bem comum. Por isso, também, apesar da triste situação em que se encontram determinadas formas de prática política, devemos guardar esperança e trabalhar para que a política seja valorizada e cada vez mais aperfeiçoada. Temos, aliás, muitos casos de cristãos que foram políticos ou viveram muito perto da atividade política e constituem maravilhosos exemplos. Muitíssimos deles são anônimos, pais e mães de família, estudantes, índios, operários, missionários etc... Outros, até bem conhecidos, ligados à nossa América (exemplificando, para só falar de quem já faleceu, recordo-me neste instante de Frei Bartolomeu de Las Casas, dos padres Antônio Vieira, Luigi Sturzo, Dominique Pire e Joseph Lebret, de João XXIII, de Dom Helder Câmara, Dom Oscar Romero, Irmãs Dulce e Dorothy Stang, Dom Luciano Mendes de Almeida... e dentre os leigos: os intelectuais Frederico Ozanam e Alceu Amoroso Lima, o imperador Carlos I de Habsburgo, o presidente Alcide De Gasperi (deve ser beatificado em breve), o jovem Piero Giorgio Frassati, o operário Santo Dias... são tantos, tantos...). Do meu ponto de vista, quem deveria ser mais bem conhecido pelos nossos políticos é o extraordinário prefeito de Florença, falecido em 1977, hoje bem-aventurado Giorgio La Pira).

Recordando-nos do tema maior desta noite, que é a santidade, e olhando para a imagem ao mesmo tempo serena e vigorosa de São Tomas More, para renovar nosso compromisso com a ética na política, pedindo o banimento dos maus políticos da vida pública; a renovação dos políticos certamente bons, mas apáticos e despreparados; e apoiando os bons políticos que, como frisei, felizmente também os temos), vou citar as palavras de um grande jornalista e pensador católico francês, que viveu muitos anos no Brasil, primeiramente no Rio de Janeiro e depois em Minas Gerais, falecido em 1948. O texto – verdadeiro hino à santidade como vivência da caridade – deve ser entendido não como polêmico em relação a outras confissões religiosas, mas como testemunho de que a força transformadora dos valores evangélicos é realmente vivenciada, ainda que pecadores, por homens e mulheres de todos os tempos. O autor chama-se Georges Bernanos:

“Nossa Igreja é a Igreja dos santos. Quem dela se aproxima com desconfiança julga ver apenas portas fechados, barreiras e guichês, uma espécie de gendarmeria espiritual. Mas nossa Igreja é a Igreja dos santos. Para ser santo, que bispo não daria seu anel, sua mitra, seu báculo; que cardeal não daria sua púrpura; que pontífice não daria sua veste branca, seus camareiros, sua guarda suíça e todo o seu aparato temporal? Quem não gostaria de ter a força para empreender esta admirável aventura? Porque a santidade é uma aventura, é na realidade a única aventura. Quem a experimentou entrou no coração da fé católica, sentiu estremecer na sua carne mortal um terror diferente da morte, uma esperança sobre-humana (...). Que uma outra Igreja mostre seus santos! (...). Os santos viveram, sofreram como nós, eles foram tentados como nós. Carregaram um fardo bem pesado, e mais de um, sem deixá-lo, deitou-se debaixo dele para morrer (...) Toda essa construção de sabedoria, de força, de flexível disciplina, de magnificência e de majestade não é nada em si mesma se não estiver animada pela caridade. (...) Mas a mediocridade só procura uma sólida segurança contra os riscos do divino.” (3)


(1) Dentre as obras em português sobre Tomas More, seria de grande proveito ler o fascinante livro Tomas Morus e a Utopia, do filósofo e escritor mineiro Ivan Lins (1904-1975), membro da Academia Brasileira de Letras, publicado pela Civilização Brasileira em 1969.

(2) Cf. Vat. II: Ad Gentes, 11; Nostra aetate, 2. Congregação para a Doutrina da Fé: Declaração Dominus Iesus, 17 e nota 56, de 6/8/2000.
(3) Jeanne relapse et sainte. Plon, Paris: 1934. p. 61-64.

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